Manta que costura causos e histórias no seio de
uma família serve de metáfora da memória em obra
escrita por autora portuguesa
O que poderia valer mais do que a manta para
aquela família? Quadros de pintores famosos? Joias
de rainha? Palácios? Uma manta feita de centenas de
retalhos de roupas velhas aquecia os pés das crianças
e a memória da avó, que a cada quadrado apontado por
seus netos resgatava de suas lembranças uma história.
Histórias fantasiosas como a do vestido com um bolso
que abrigava um gnomo comedor de biscoitos; histórias
de traquinagem como a do calção transformado em
farrapos no dia em que o menino, que gostava de andar
de bicicleta de olhos fechados, quebrou o braço; histórias
de saudades, como o avental que carregou uma carta
por mais de um mês... Muitas histórias formavam aquela
manta. Os protagonistas eram pessoas da família, um tio,
uma tia, o avô, a bisavó, ela mesma, os antigos donos
das roupas. Um dia, a avó morreu, e as tias passaram
a disputar a manta, todas a queriam, mais do que aos
quadros, joias e palácios deixados por ela. Felizmente, as
tias conseguiram chegar a um acordo, e a manta passou
a ficar cada mês na casa de uma delas. E os retalhos,
à medida que iam se acabando, eram substituídos por
outros retalhos, e novas e antigas histórias foram sendo
incorporadas à manta mais valiosa do mundo.
LASEVICIUS, A. Língua Portuguesa, São Paulo, n. 76, 2012 (adaptado).